quinta-feira, 13 de março de 2008

AL - pela liberdade de uma mulher

AL - pela liberdade de uma mulher
Maria Clara Lucchetti Bingemer *

Adital -
Olhos baixos, mãos cruzadas sobre o colo, cabelos muito compridos e rosto magro e afilado, a mulher transmite dor e desalento em sua imobilidade.
Desde a selva, essa foi a "prova de vida" que mandaram a sua família.
Vida, sim, mas vida que parece esvair-se na tristeza e no desalento de quem se sente vencida pelo prolongado tempo de sofrimento dos últimos seis anos.
Na cidade, outra mulher todos os dias manda uma mensagem para a mulher triste que se encontra na selva.
Às 5 horas da manhã, Yolanda Pulecio faz chegar pelas ondas do rádio a própria voz até sua filha Ingrid Betancourt.
E na comunicação diária das duas a esperança consegue abrir um caminho, titubeante e frágil, mas o suficiente para manter acesa uma chama por seis longos anos.
Ingrid Betancourt Pulecio nasceu em Bogotá, Colômbia, em 25 de Dezembro de 1961, filha do ex-senador e ex-embaixador colombiano Gabriel Betancourt e de Yolanda Pulecio, ex-miss Colômbia.
Passou parte de sua juventude em Paris, pois o pai era embaixador na UNESCO.
Com uma infância e uma juventude especialmente agraciada cultural e existencialmente, a bela Ingrid habituou-se a conviver com gente do nível do poeta Pablo Neruda, do pintor Fernando Botero e do escritor Gabriel García Márquez, amigos da família.
Fez seus estudos no Instituto de Estudos Políticos de Paris, onde se licenciou em Ciências Políticas.
Mãe de dois filhos do primeiro casamento com um francês, volta à Colômbia e entra na vida política, para lutar contra a máquina de corrupção movida pelo dinheiro do narcotráfico.
O crime organizado colombiano logo a colocou sob sua alça de mira.
Ingrid sofreu um atentado a bala e várias ameaças para que abandonasse sua luta.
Determinada e cheia de coragem, seguiu em frente, sempre combatendo o tráfico e pregando a causa ambiental. Eleita deputada, depois senadora, em 2002 foi seqüestrada como candidata à presidência quando visitava uma zona de combates intensos entre o exército e a organização terrorista das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Há seis anos a selva é a morada desta franco-colombiana de 40 anos de idade.
Em recente carta a sua mãe, narra que sobrevive em uma rede posta entre duas estacas, coberta com uma lona.
Os poucos objetos que a deixam ter estão sempre prontos para a fuga que se repete incessantemente, buscando outro esconderijo.
Entre essas pobres mudas de roupa e objetos pessoais está a Bíblia, diz ela, "seu único luxo".
Só mesmo a fé e a intimidade com a Palavra de Deus podem sustentar essa mulher, que se vê cada vez mais frágil, esgotada, sem comer, sem dormir, em permanente sobressalto.
Não consegue alimentar-se, seu corpo vacila, seus cabelos caem.
Permanece, porém, inteira naquilo que crê e deseja, pedindo comovedoramente à mãe notícias de seus filhos, cuja vida vai passando sem sua participação.
Só mesmo a fé que a faz celebrar missas pelo mundo afora e ir falar com governadores, presidentes e o próprio Papa pode manter Yolanda Pulecio em pé, lutando pela libertação da filha.
A bela Miss Colômbia agora é a mãe coragem que anda com a foto de Ingrid pelos quatro cantos do planeta, a fim de que não a esqueçam e saia do cativeiro.
A cada manhã, quando o dia amanhece e na selva são 5 horas, Yolanda fala à filha querida.
Para que ela não se sinta abandonada, não desanime, se alimente, mantenha acesa a tênue e bruxuleante chama da esperança.
No Dia Internacional da Mulher é belo ver, na situação limite de um cruel seqüestro que parece não ter fim, a força do amor materno maior que qualquer outra coisa.
Duas mulheres, mãe e filha, do fundo de sua dor ainda encontram forças para amar e declarar seu amor.
Enquanto Yolanda diz a sua filha que se alimente, para que possa manter a saúde e voltar ao convívio da família, transcende sua dor para manter viva aquela que um dia trouxe em seu ventre e deu à luz.
Por seu lado, Ingrid, em meio ao desalento e à exaustão em que se encontra, escreve longamente à mãe, única que sabe não poder viver sem ela.
Que toda essa dor não seja em vão.
E que a violência não tenha a última palavra.
Que o longo suplício dessas duas mulheres chegue ao fim e possa ser redenção para elas mesmas e para o povo pelo qual lutam.
* teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

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